Tem se tornado cada vez mais frequente a busca por diagnósticos que atendam a necessidade de pais preocupados com doenças neuropsiquiátricas da infância. É ampla a lista de sinais e sintomas que dirigem as famílias na procura desses profissionais, desde dificuldades escolares, distúrbios de comportamento – como irritabilidade, ansiedade, timidez -, além de queixas relacionadas à conduta e interação social. Além dos pais, as escolas muitas vezes sinalizam essas queixas, além de ser comum o encaminhamento por parte de outros profissionais de áreas da saúde afins, que lidam cotidianamente com crianças e adolescentes.
É importante esclarecer, diante de uma queixa neurológica ou psiquiátrica na infância, que existem aspectos relacionados ao comportamento humano pouco usuais, não obedientes a padrões estabelecidos, muito embora não deixem de ser condizentes com a normalidade. Quando nos deparamos com uma criança com dificuldade escolar, por exemplo, um conjunto de variáveis precisa ser pensado para nortear o diagnóstico, desde características socioculturais relacionadas ao seu meio familiar, até doenças em que há a necessidade de tratamento medicamentoso. É importante salientar que o medicamento é uma tecnologia muitas vezes imprescindível no processo terapêutico, entretanto o seu uso indiscriminado pode perpassar pela lógica da ética e da visão global do indivíduo, aspectos essenciais à boa prática da Medicina.
De acordo com dados estatísticos atuais fornecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS), estima-se que mais da metade dos medicamentos sejam inadequadamente prescritos, dispensados e/ou vendidos, e que metade dos pacientes os utilizem incorretamente. E dentre as populações de risco no contexto do fenômeno da medicalização estão as crianças em idade escolar e adolescentes.
Esses dados nos fazem pensar sobre a possibilidade de estarmos diagnosticando quadros comportamentais típicos da faixa etária como algo patológico. Ademais, outras alternativas terapêuticas não farmacológicas, como, por exemplo, intervenções sociais e psicoterápicas, devem ser consideradas.
Sendo assim, os profissionais que lidam com essa área, além dos pais, que participam do convívio e da história pregressa da criança, e a escola, um dos pilares da formação pedagógica, devem ser cautelosos na busca indiscriminada por diagnósticos que não auxiliam de fato a melhora do comportamento e das funções cognitivas. Compreender o contexto social, a individualidade humana e a complexidade emocional que norteia os primeiros anos de vida evitam a “patologização” da infância e assim também diminuem a excessiva carga de medicamentos prescritos de forma equivocada ou exagerada.
Catarina Falleiros Nogueira Rojas (CRM/SP 131.295) é neurologista clínica com área de atuação em neurologia adulto e infantil, Título de Especialista em Neurologia Infantil pela AMB.
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